Alto Minho - Crónicas & Cª.

  • Colaboração: Felícia Sampaio - Editora Culinária do Gastronomias.com
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"Quem não se importa com o próprio estômago, dificilmente se irá importar com outra coisa"...Samuel Johnson



Crónicas


A Boa Mesa do Alto Minho

O Vale do Lima
Na Gastronomia fico-me pela Cozinha Regional e se inicio em Viana este périplo de "coisas boas" para a manducação é, de facto, mais para relembrar que foi um Vianense – João Alvares Fagundes – quem descobriu a Terra dos Bacalhaus. E que foi Viana com o seu bacalhau de cura amarela da seca do Mendes ou do Cais Novo quem deu fama a estas Terras do Alto Minho. Que quer ver repetido e linguarado, agora que temos o Gil Eanes entre portas, melhor dito, em casa, e já com receita firmada nos Cardápios da Princesa do Lima: o Bacalhau à Gil Eanes. E se não posso deixar de falar em Ramalho Ortigão (que descobre a caseirice do carro de santola da Zefa Carqueja), esse grande turista, que melhor do que ninguém soube viajar por estes lados e dizer mesmo que de Portugal esta era "a porção de céu e de solo mais vibrantemente viva e alegre, mais luminosa e mais cantante", abanco-me por estas casas de "Bom Vinho e Comer", em dia de cozido: fossado, esgravatado, escorneado. Divino! Sem esquecer as "caralhas", esse escalfado de miúdos de novilho em verde tinto de Pêrre, famoso entretém de boca que sai das mãos da Daniela. E se avançarmos pela Ribeira Lima, onde, como diz Manuel Couto Viana, "com licença" o porco é Rei, obrigatório será parar em Ponte, com o não menos famoso sarrabulho, os rojões, a perna de porco à Clara Penha, pitéus ainda caseiros e a não perder em tempo de matança. Ou, ainda, o famoso pernil por bandas da "Carvalheira", a sopa dourada do "santuário da Madalena". Segue-se Ponte da Barca e os seus primores gastronómicos, como o provam as boas viandas barrosãs: a costela de vitela com arroz de feijão; o naco de carne grelhado na brasa mal passado, para guardar o "sumo" e os vinhos "topo de gama" das Terras da Nóbrega. E nos Arcos, o cabrito, tenro, dos retouços do Mezio, o cozido com os fumados das brandas, o doce de mel, os charutos de ovos, os rebuçados dos Arcos, as laranjas do Ermelo e o queijo das Cachenas. Garantia de uma escapadinha diferente em terras arcuenses, como o provam os restaurantes nas Terras do Juiz Ti Sarramalhos. Por Paredes de Coura, tenho que avivar, de novo, outras receitas, outras "capelas" de bem comer. A Tia Miquelina foi cozinheira afamada. Casa de comidas e bebidas, nela arrefeiçoavam em dia de feira, galegos, contratadores de gado, caixeiros viajantes, fidalgos e abades. E o Vilaça, embaixador com assinatura, leva bem longe a fama dos manjares courenses: o cabrito avinhado dos senhores de Romarigães, as trutas de Penizes, a perdiz e o coelho bravo dos montados de Corno de Bico, as filhoses e os formigos.

O Vale do Minho
Seguimos já para Melgaço. O presunto de Castro Laboreiro – fino e delicioso, de aroma gratíssimo, rosa escarlate, de uma frescura viçosa da fibra. É saborear, então, os bifes do dito, os enchidos caseiros com grelos das brandas, o sável com milharas, a lampreia, o pão castrejo. Não esqueço a ceia medieval em honra de D. João I e da Inês Negra. Nem o Centro de Estágios que vai colocar Melgaço no Euro 2004, e os restaurantes onde as cozinhas cheiram a tradição e as "adegas" a madeira de carvalho onde estagia o Alvarinho.

E Monção? As Terras Deu-la-Deu? Das Termas e do Vinho Alvarinho?
– Compadre, que tal este vinho de Monção?
E a resposta certeira!
– É o melhor de Portugal.

Não vou viver de recordações. Do Vaticano e do Mané. Monção quer arrancar, de novo, para o que foi considerada a "catedral" do reino, na arte de bem receber, na mastigação de quem se ufana de ser um bom gastrónomo. Sem esquecer o "Senhor João": pataniscas de bacalhau com arroz de feijão e grelos, o cabrito no forno dos Anhões, com alguidar vermelho de arroz açafroado, o arroz de lampreia e, nos doces, as barriguinhas de freira.

Chega-nos Valença, com o seu "shopping" e a sua A3. E aí para a paparoca, entre vários e bons restaurantes, fico-me com o bacalhau à São Teotónio, o meixão com molho picante, o cabrito assado dos Montes da Furna, um arroz de perdiz e "sopa seca" nas gulodices.

Em Cerveira, rica de cores e amena na paisagem, com o vale magnífico em paletas de verde, o apetite vai para o arroz de debulho (sável), a solha seca frita, a lampreia e na doçaria, a artesanal receita do biscoito do milho doce, cairam-nos no goto.

Seguimos o Rio Minho e, já na confluência com o Rio Coura, aparece-nos Caminha, a Bela Marinheira. Não pede meças a ninguém: o bacalhau à moda do "Xico dos jornais", a cabidela da lampreia, as trutas do Rio Coura, o polvo à galega, os enchidos e o cabrito da Serra de Arga, preenchem bem a lista caminheira. E, entramos no litoral minhoto, com o "Ancoradouro" e o "Verde Pinho" ali nas fraldas de Moledo, olhando a Ínsua e Santa Tecla, com a posta barrosã e aquele sargo assado no forno. Depois, Vila Praia de Âncora e a Senhora d´Abonância. É terra de mar, do "portinho", da aldeia de Gontinhães, com o Calvário a mirar os velhos caminhos da Lagarteira. Tradição culinária de muitas décadas, com um nome a reter na gastronomia e cozinha portuguesas: "Felizbela Meira". Boa comida, também, nas tasquinhas do Portinho, que acompanham e bem os segredos nos primores de uma terra de mar: o arroz de marisco, as caldeiradas, o "carro" de santola, os grelhados dos nossos peixes.

O Vale do Cavado
Depois de Afife, Darque, Amorosa e do Castelo de Neiva, onde as artes e as comidas de pescado, não tem mãos a medir, fica-nos Esposende. E aqui, nos comeres, a escolha vai para os filetes de linguado com arroz de grelos malandrinho, a saborosa lampreia, os primores para o robalo assado no forno, a taínha, a solha e os camarões dos cavalos de Fão. Mas Esposende, também, Caminhos de Santiago! Relembro, o cardápio da Estalagem da Barca do Lago (1854); as trutas "fritidas" em unto; a lampreia de ensopado, com especiarias da India; o moreno arroz de lampreia – do de fugir pr’á cozinha ... tudo era de lamber os dedos. Barcelos e a Feira. Letra grande para este dia santo que se venera todas as quintas-feiras, no Alto Minho. Mostra, cartaz turístico, exposição de artesanato, que o chafariz setecentista divide por sectores mandando para cada um dos lados: os produtos agrícolas e os galináceos; as regueifas e o pão moreno de centeio; as bancas dos ourives e as tendas da cestaria; os galos e a louça de Barcelos. Com bons restaurantes e paragem, obrigatória, optei por umas papas de sarrabulho e uma fritada de ovos com morcelas; nos peixes, o bacalhau e o polvo na brasa. Depois, um cozido assombroso de paladares: fiquei-me pelas chouriças, um toucinhinho entremeado, pelas hortalices e uma coxa de frango pica-no-chão do quinteiro. Nos postres, um bolo de laranja, com raspa e sumo.
Soberbo!

Terminei em Terras de Bouro. Pela Serra do Gerês, pelas muralhas e vistas da Calcedónia, por S. João do Campo e Covide. Pela Geira Romana. E tal como um "novo" peregrino dos Caminhos de Santiago, também, ali fiz pousada em terras de Chamoím. Curas de alma, curas de corpo.

São Bento da Porta Aberta
Porque a não tendes fechada?
Quereis ver os peregrinos
Que vos passam na entrada?

Fim do Roteiro. Para amaciar a búzera (já iam sendo horas), aconselhamos o famosíssimo Cozido (couves com feijão), o cabritinho da Serra do Gerês no forno, os filetes de pescada da Póvoa, a não menos célebre Caldeirada de "Cabra Nova" (das do Gerês), ali mesmo junto ao Santuário, obra da Confraria e como tal de bons comes e bebes e de boa sesta.

Francisco Sampaio*
* Ilustre e prestigiado gastrónomo, ex-Juiz da Confraria dos Gastrónomos do Minho, ex-Presidente da Região de Turismo do Alto Minho, docente e investigador, excelente comunicador, altamente considerado por todos os membros das mais diversas Confrarias.



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Autora Felícia
Sampaio

Editora culinária do Gastronomias (Roteiro Gastronómico de Portugal) desde 1997. "Sou apaixonada por gastronomia e quero transmitir-lhe essa paixão nas minhas receitas tradicionais, comida de conforto e sobremesas soberbas."

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