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Roteiro Gastronómico de Portugal


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PRATO TÍPICO BRASILEIRO

Feijoada branca
A atribuição da origem do maior património gastronómico do Brasil aos escravos não é comprovada


Lauro Lucchesi
cheflauro@rac.com.br

O vai e vem dos navios lusitanos deixou rastros comuns pelos países por onde ancoraram; entre eles costumes, hábitos e práticas de culinária. Cumprir as rotas entre Portugal, África, América e Índia era uma aventura e a palavra de ordem para marujos e desbravadores que nela mergulhavam era única: sobrevivam em nome da expansão da Coroa. Resumindo: comparado à precária alimentação armazenada nas naus, colocar os pés em terras americanas ou africanas era uma festa. Banquete à vista. Comiam, de bom grado, o que encontravam ou era oferecido.

E foi um intenso troca-troca: milho, mandioca e pimenta da América para a África, quiabo e galinha de lá pra cá. De tal maneira que no jeito africano de temperar e cozinhar tal coisa chegou o jeito do nosso índio tratar e moquear também a mesma coisa. Tudo com mais isso e mais aquilo, levado daqui, trazido de lá, por mãos portuguesas.

A culinária africana e a ameríndia nunca foram excepcionais no apuro aromático. E foram os portugueses, com velhas técnicas mouras de cocção e preservação de alimentos e um farto farnel de especiarias à tiracolo, que tricotaram e disseminaram em suas colônias o primeiro lay out do que seria alguns dos principais pratos da gastronomia em cada uma delas.

Na brasileira, uma das maiores heranças é a feijoada, hoje uma instituição nacional e talvez o mais brasileiro dos sabores. É história pra boi dormir ou inglês ver a versão, romanceada por recentes historiadores sem pedigree na área gastronômica e sem nenhuma prova patrimonial — entenda-se documento — de que a feijoada surgiu dentro das senzalas quando negros escravos eram “brindados” por seus senhores ou feitores com sobras rejeitadas — ou partes menos nobres — de suínos. Não há muito espaço aqui para avançarmos o suficiente em tão cativante literatura. Renderá outra conversa, com certeza.

A origem técnica e cultural de nossa feijoada deve, sim, ser creditada a influências europeias. Portanto, por ora, holofotes em três pontos. Um: miúdos de bois, carneiros e cabras como rins, fígado, língua, miolos e tripas; pés, orelhas, rabo e toucinho de porcos e suas tripas, que serviam para embutidos feitos com sangue, para alheiras recheadas com resto de pães e outras carnes menos nobres, há séculos eram — e ainda são hoje — consideradas iguarias em Portugal; portanto, apreciadíssimas. Dois: entre o início do século 18 e fim do século 19 — época do auge da sociedade escravista — a escassez de alimentos primários como a carne verde era grande devido à monocultura e o precário manuseio da criação de animais. Eram raros ainda e os muitos que se tinha não significavam fartura. O abate era controlado e, do boi e do porco, por exemplo, só não se aproveitava o berro. Três: o escravo negro era a mão de obra principal, era a força produtiva e era caro. Não podiam, portanto, ser simplesmente tratados com restos.

FORÇAS. Como forças motrizes da economia recebiam refeições três vezes ao dia à base de milho — o angu de fubá — mandioca e vez ou outra o feijão preto; tudo cozido com muita água, um caldo temperado apenas com gordura e, olha lá, um tico de sal.

Este tema é um bom embate e uma conversa afiada entre especialistas, pois coloca no fogo a origem de um dos nossos maiores patrimônios culinários.

Não há o que discutir

Feijoada para nós brasileiros só existe uma, certo? Certo. Infeliz quem conteste em praça pública. No Rio, então, fecha o tempo. Mas qualquer tipo de feijão cozido com carnes, legumes e verduras é uma feijoada em seu conceito técnico. O cassoulet francês, feito com feijão branco e carnes de aves, prato clássico, é uma feijoada.

O nome feijão foi registrado em Portugal no século XIII. Portanto, já era conhecido 300 anos antes do descobrimento do Brasil. Nós colaboramos com o feijão preto. Natural da América do Sul e conhecido pelos tupinambás como “comanda”, era pouco apreciado pelos índios, que preferiam a mandioca. Mas, fácil de cultivar, rendoso e prestativo, caiu no gosto e nas panelas de nossos colonizadores.

A VERDADEIRA FEIJOADA

INGREDIENTES (para 6 pessoas)

500g de favas brancas (não encontrando, utilize o feijão branco);
200g de toucinho defumado ou bacom;
2 paios pequenos, 1 lingüiça portuguesa fumada e 1 farinheira (um embutido feito com carne de porco e migalhas de pão).
250g de lombo de porco defumado;
o mesmo tanto de costelinha de porco idem;
300g de carne seca, cortada em generosos nacos;
2 ou 3 rabinhos de porco, inteiros;
5 a 6 colheres de sopa de azeite português, autêntico;
3 cebolas brancas, médias, picadas sem muito critério;
4 dentes de alho, também picados;
2 tomates, sem pele e sem sementes, picados em cubos pequenos;
5, 6 ou 7 folhas de louro, inteiras e saudáveis;
Sálvia, manjerona e salsinha, tudo fresco, rasgadinho e picadinho à moda do freguês;
Sal, pimenta do reino e pimenta vermelha a gosto.

Para a cozinha então:

Primeiro eu deixo de molho, de véspera, em um bocado de água, as favas. Deixo de molho, também de véspera e em muita água, as carnes salgadas (os rabos e a carne seca). Troco algumas vezes a água. Antes de utilizar as carnes, passo-as duas ou três vezes em água fervente e, por último, deixo ambas, rabos e a carne seca, cozinhar em água com 4 ou 5 folhas de louro por aproximadamente 30 minutos. As lingüiças, o paio e as outras carnes defumadas (o lombo, o toucinho e as costelinhas) também afervento 2 ou 3 vezes, rapidinho, apenas para eliminar o ranço. Levo ao fogo baixo as favas em uma panela com bastante água. Cozinho as lentamente, sem pressa, sem tampar a panela.

Vai aí ao menos 1 hora. Quando necessário, acrescento mais água quente, literalmente, às favas. Procedo com delicadeza para não desmanchá-las.

Assim que cozidas, escorro um tanto da água (mas não toda) e reservo. Escolho uma panela para os finalmente: uma caçarola ou similar que p ermita manipular com folga os ingredientes. Levo a ao fogo brando com o azeite, a cebolas e o alho. Assim que as cebolas e o alho murcharem acrescento os tomates, o bacon (ou toucinho). Mexo e remexo com uma das minhas poderosas colheres de pau. Introduzo na caçarola a carne seca, os rabos de porco, o lombo, a costelinha e os embutidos. Mexo e remexo com atenção por 10 minutos.

Percebo então o sal para saber o quanto mais será necessário quando introduzir a fava ou o feijão. Dou-lhe, a gosto, pimenta do reino quebrada e pimenta vermelha, esta última, sem as sementes. Mais um minuto no fogo e então coloco a água que restou do cozimento das favas (+ ou - 200ml). Assim que ferver, agrego as favas, confiro novamente o sal, se necessário ajusto, e junto, por fim, as ervas restantes. Aguardo, em fogo baixo, mais dez minutos para que os temperos, as carnes e as favas se entendam e se apropriem, lá entre eles, seus aromas e sabores.

Sirva com arroz branco e couve cozida.

 

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